Mas por que "anos de chumbo", se foi um Presidente profundamente humano voltado extraordinariamente para o social? Os trabalhadores rurais (quarenta milhões atualmente) e o empregados domésticos têm amparo da Previdência Social graças ao seu governo. Mas vamos aos "anos de chumbo".
Estão lembrados do seqüestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burle Elbrick? Para liberta-lo, os seqüestradores exigiram, primeiro, a leitura de um "Manifesto" em todas as emissoras de rádio e televisão, e depois, avião para deixar quinze comunistas no exterior (Argélia, Chile e México).
Para salvar a vida do embaixador, o governo concordou com a exigência dos marginais. Tudo bem.
Eu pediria a atenção dos leitores para a redação do "Manifesto dos Terroristas", com esse mesmo título publicado na edição do O POVO de 6 de Setembro de 1969 (o presidente Costa e Silva já estava hospitalizado com grave distúrbio circulatório). O redator do "Manifesto" foi o jornalista Franklin Martins, aquele que comenta política no "Jornal da Globo" [atual Ministro da "Comunicação Social" (propaganda)]. Por ironia do destino, é filho de Mário Martins, jornalista, deputado e senador pela UDN de Carlos Lacerda. Era excelente cidadão, muito bem relacionado com seus colegas do Comitê de Imprensa da Camara, entre os quais eu me incluía.
Mais uma vez, peço a atenção para a redação do "Manifesto". Alias, para justificar os "anos de chumbo" basta o primeiro período, que é o seguinte:
"Ao povo brasileiro. Grupos revolucionários detiveram hoje, o senhor Burle Elbrick, Embaixador dos Estados Unidos, levando-o para algum ponto do país, onde o mantém preso. Este ato não é um episódio isolado. Ele se soma aos inúmeros atos revolucionários já levados a efeito: assaltos à bancos, onde se arrecadam fundos para a revolução; tomando de volta o que os banqueiros tomam do povo e de seus empregados; tomada de quartéis e delegacias, onde se consegue armas e munições para a luta pela derrubada da ditadura; invasões de presídios, quando se libertam revolucionários para devolve-los à luta do povo; as explosões de prédios que simbolizam a opressão; e o justiçamento de carrascos e torturadores. Na verdade o rapto do embaixador é apenas mais um ato de guerra revolucionária que avança a cada dia e que este ano ainda iniciará sua etapa na guerrilha rural".
Que tal? Qual o governo que sem chumbo enfrentaria tal situação? Observem que eles próprios, os criminosos, sem ninguém pedir, confessaram assalto a bancos, tomada de quartéis e delegacias, invasão de presídios, explosão de prédios e "justiçamento". Depois de tudo isso, na área urbana, informavam que, ainda naquele ano (1969), iriam iniciar outra etapa de guerra revolucionária: a guerrilha rural.
Leram com cuidado? Se possível, repitam a leitura. Então já sabem por nasceram os "anos de chumbo"? E agora me respondam: qual o governo responsável que, diante de tais crimes e tais promessas, todas já em prática, não se disporia a agir com mão de ferro? A situação permitia panos mornos? Não evidentemente. Eram criminosos travestidos de políticos.
A guerra estava declarada e o seqüestro do embaixador, como afirmam os próprios terroristas, não era "um episódio isolado".
Governo nenhum tem noção exata de um movimento clandestino. Pode ser inexpressivo, como pode ser amplo e profundo. Ou o governo entrava para valer ou poderia levar a pior. Felizmente, Araguaia não era lá essas coisas e com poucas horas de chumbo estava tudo desbaratado. O Partido Comunista covarde como sempre, quis promover guerrilha com estudantes do Congresso de Ibiuna (aquele cujo local conseguiram com prestígio de Frei Beto).
Estão aí, portanto as razões dos "anos de chumbo", que garantiram a paz da família brasileira, dando ao Presidente condições de trabalhar e realizar uma obra pela qual recebeu aplausos num Maracanã lotado. Nessa fase, dez aviões e quatro diplomatas foram seqüestrados.
Dos cinco militares da Presidência, o general Médici foi o mais sensível aos problemas sociais. Só pela ampliação do Funrural (criado pelo general Costa e Silva) seu nome jamais será esquecido dos brasileiros. Já com o general Figueiredo os professores viram garantida a volta da sua aposentadoria aos 25 anos, que FHC acabou. O Brasil teve duas fases de amplo desenvolvimento social: com o Estado Novo de Getúlio e com os militares de 64. A esquerda morre de raiva com isso, mas é a História quem o diz.
Os militares linha-dura, com influência crescente no governo, mal escondiam o desígnio de fazer o regime caminhar para o fechamento. Só precisavam de um pretexto para pressionar o presidente. A oportunidade surgiu no início de setembro, com um discurso, na Câmara, do deputado Marcio Moreira Alves, do MDB da Guanabara.
Moreira Alves criticava a invasão da Universidade de Brasília, no final de agosto, quando tropas da Polícia Militar, empunhando metralhadoras, prenderam alunos e bateram em deputados. A ação foi considerada uma vitória dos radicais, pois pouco tempo antes o próprio presidente demonstrara procurar entendimento com os estudantes ao receber em seu gabinete uma comissão escolhida durante a Passeata dos 100 Mil.
Em protesto contra a invasão, Moreira Alves propôs um boicote ao tradicional desfile do Dia da Independência, em 7 de setembro. Sugeriu também que as moças não namorassem os jovens oficiais enquanto durasse a repressão. A fala do deputado deveria passar despercebida: o plenário estava quase vazio, e a imprensa, salvo um registro na Folha de S.Paulo, ignorou a intervenção. O próprio deputado, 25 anos depois, consideraria aquele um "discurso inútil", com "recomendações vazias". Mas nos quartéis, onde circularam muitas cópias da transcrição do discurso, a reação foi de indignação.
Representantes da linha dura, os três ministros militares aproveitaram o clima de inquietação entre os oficiais para tentar punir Moreira Alves. Para tanto, precisavam da anuência do Congresso, uma vez que, como deputado, o jovem emedebista gozava de imunidade parlamentar. Pelos cálculos dos ministros, não seria difícil, com a ajuda da Arena, obter autorização para que a imunidade de Moreira Alves fosse suspensa.
Mas a Comissão de Justiça da Câmara, em que a Arena tinha maioria, rejeitou o pedido. À frustração dos radicais se somava o agravamento do confronto entre os estudantes e a repressão. No início de outubro, a violência tornou a eclodir, dessa vez em São Paulo. O palco dos choques foi o centro da cidade, na rua Maria Antônia, com a Faculdade de Filosofia da USP numa calçada e a Universidade Mackenzie na outra. Tratava-se de redutos da esquerda e da direita, respectivamente. Os dois grupos se enfrentaram quando alunos do Mackenzie, com apoio do CCC, atacaram os da USP, que levantavam, junto a transeuntes, recursos para financiar o XXX Congresso da UNE. Houve pedradas, explosões de bombas caseiras, uso de gás lacrimogêneo e tiros. Um estudante secundarista, que ajudava os alunos de filosofia, morreu baleado.
Apesar das condições adversas, as lideranças estudantis decidiram levar adiante o congresso. Em meados de outubro, cerca de mil jovens se reuniram num sítio em Ibiúna, São Paulo. Operando na ilegalidade, a UNE planejara um encontro clandestino. A grande concentração de pessoas num local pacato, porém, chamou a atenção da polícia, e o evento terminou com a prisão de todos os participantes.
Vitoriosa, a linha dura não sossegou. Continuava insatisfeita com o encaminhamento do caso Moreira Alves. Sob pressão dos radicais, o presidente Costa e Silva cedeu, alterando a composição da Comissão de Justiça, de modo a viabilizar a suspensão da imunidade do deputado. A autorização para punir Moreira Alves foi finalmente concedida em 11 de dezembro, mais de três meses depois do discurso.
O episódio talvez não merecesse mais que uma nota de rodapé da história do Brasil, não fosse o surpreendente desdobramento que teria. No dia seguinte, a proposta foi rejeitada pelo plenário da Câmara, apesar da maioria arenista. Os deputados festejaram o resultado, sem saber que aquela seria a última manifestação de alegria de 1968. Na manhã de 13 de dezembro, uma sexta-feira, enquanto a população lia nas manchetes dos jornais relatos da decisão histórica da Câmara, o presidente Costa e Silva, em resposta à atitude audaciosa dos políticos, preparava-se para baixar o ato institucional que jogaria o país numa ditadura escancarada.
Historiadores debatem se Costa e Silva usou os radicais ou se foi por eles usado. As hipóteses não se excluem. O presidente tinha uma relação de dependência mútua com a linha dura. "Colocara-se como estuário das frustrações de todos aqueles que achavam
necessário aprofundar o processo arbitrário e punitivo", como escreveu Elio Gaspari. Mas nem sua trajetória foi sempre próxima desse grupo, nem sua biografia, até os anos 50, indicava o caminho que seguiria.
Gaúcho, Costa e Silva estudara em Porto Alegre, no Colégio Militar, onde foi colega de Castello Branco. Enquanto o "Cearense" se dedicava aos estudos, Costa e Silva se destacava nos esportes. Sem ser aluno brilhante, não se saiu mal na escola. Mais tarde, acomodou-se intelectualmente, preferindo corridas de cavalo, jogo de pôquer e palavras cruzadas a livros. Sempre se envolveu com a política que se fazia nos quartéis. No levante frustrado do Forte de Copacabana, em 1922, ficou ao lado dos tenentes revoltosos e acabou preso por um curto período. Na Revolução de 30, que pôs fim à República Velha, estava alinhado com as forças de Getúlio Vargas. Em 1955, chegou a defender a democracia, ao apoiar o general Lott no contragolpe que garantiu a posse de Juscelino.
O caminho do poder, no entanto, passou pela associação com os radicais, e, naquele 13 de dezembro, essa circunstância pesou mais que o passado do presidente. Diante do revés do governo no Congresso, Costa e Silva convocou uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, do qual faziam parte o alto escalão do Executivo, o chefe do Estado-maior das Forças Armadas e o chefe do Serviço Nacional de Informação (SNI). O texto do AI-5, do ministro da Justiça, Gama e Silva, foi colocado em votação. Com exceção de Pedro Aleixo, vice-presidente, todos assinaram o documento, desde o chefe do SNI, Emílio Garrastazu Médici, até o ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto.
O AI-5, que, ao contrário dos atos anteriores, vigoraria por prazo indefinido, dava ao presidente, entre outras prerrogativas, o poder de cassar políticos, fechar o Congresso, suspender o habeas corpus, impor censura prévia à imprensa, aposentar compulsoriamente professores universitários, prender dissidentes. Costa e Silva faria tudo isso. Qualquer vestígio de oposição seria sufocado. Como definiria a crônica política, o AI-5 foi o golpe dentro do golpe, o início dos Anos de Chumbo.
Fontes :http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u478768.shtml
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